sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

#11 Quebrando um novo preconceito

Era início dos anos 2000, mas não vou ter certeza do ano. Foi a era do colégio Executivo, em Natal, provavelmente algo entre a quarta e a quinta série. Acontece que um belo dia, em meio àquela época fantástica, nós deixamos de ter uma aula para ter uma palestra.

O colégio me parecia enorme, mas tenho certeza hoje em dia que não era tudo isso. Lembro de sermos levados pela professora para o auditório do colégio, que mais parecia uma sala comprida com um palquinho na frente. Eram outros tempos e éramos todos muito novos, então a minha memória falha em vários detalhes, mas eu tenho na minha cabeça a imagem daquele homem magro e de cabelos um pouco compridos. Ele veio contar pra gente como era a vida dele sendo HIV positivo.

Contextualizando: dia desses estava escutando um podcast sobre a epidemia de AIDS no fim do século passado e de repente me deu o clique dessa memória, que acho valiosa demais para não incluir aqui nas lembranças. No di a minha curiosidade era grande, mas o receio do desconhecido me causava uma apreensão enorme. Dentre vários pontos tocados por aquele senhor, provavelmente na casa dos 30 anos mas sem nome em minha memória, eu lembro de algumas coisas apenas.

Ele nos contou sobre a doença, como ela afetava seu corpo e nos mostrou os diversos comprimidos que precisava ingerir todos os dias. Naquela época ainda não havia estudos avançados e o estereótipo da doença criava um padrão no qual ele se encaixava. Eu abria meus olhos e apertava minhas mãos, tentando absorver cada detalhe contado sem saber que a memória se perderia com o tempo.

Engraçado que, de toda essa curta experiência, a grande coisa que ficou marcada para mim foi o alívio de sobrepor um preconceito. Eu, criança aprendendo na escola, escutei com muita atenção sobre as formas de contágio daquela doença até então tão obscura e severa, e eu lembro bem de sentir a dor dele falando que as pessoas tinham medo de conviver com ele e "pegar aids" pelo ar e outras situações. Lembro de pensar em como era importante as pessoas saberem que podem (e deveriam) abraçar ele e fazer um carinho na cabeça em momentos de tristeza. Realmente acho que foi a minha primeira quebra de preconceito (que eu nem sabia que tinha) e foi de extrema importância ter acontecido nessa idade e nesse ambiente.

Que privilégio ter tido um colégio que aprontou algo como essa palestra pra nós, crianças do ensino fundamental. Que privilégio ter tido esse clique e poder reviver essa memória sempre, agora escrita aqui, mesmo que mais uma vez ela se afunde no mar de memórias do meu cérebro. Me deu muito orgulho lembrar disso.