quinta-feira, 31 de março de 2022

Dias difíceis

Hoje eu consegui reparar que não é apenas hoje que estou com constante vontade de ir pra uma janela gritar "AAAAA" até perder a voz. Isso tem acontecido todos os dias no trabalho em escritório.

O acúmulo de obrigações e papéis na minha mesa está começando a me deixar imobilizada psicologicamente mesmo que eu saiba o que fazer, como fazer e qual a prioridade das tarefas. Eu fico pensando tanto no que devo fazer que acabo perdendo o foco enquanto estou em uma tarefa. As interrupções para mais papéis e obrigações está acabando com a minha produtividade e fica a sensação de que eu não termino nada nunca.

Eu entendo esse estado atual, entendo a origem e como funciona essa ansiedade, mas mesmo assim não consigo sair da rotina de desespero.

Mal dá meio-dia eu penso que gostaria de ficar até mais tarde para poder finalizar pelo menos duas coisas, mas a rotina da confeitaria não me permite um capricho desses e aí sempre acabo na dúvida se não deveria extinguir essa outra rotina (apesar de não querer).

Enfim... um desabafo apenas. Eu só queria ter duas de mim.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

#11 Quebrando um novo preconceito

Era início dos anos 2000, mas não vou ter certeza do ano. Foi a era do colégio Executivo, em Natal, provavelmente algo entre a quarta e a quinta série. Acontece que um belo dia, em meio àquela época fantástica, nós deixamos de ter uma aula para ter uma palestra.

O colégio me parecia enorme, mas tenho certeza hoje em dia que não era tudo isso. Lembro de sermos levados pela professora para o auditório do colégio, que mais parecia uma sala comprida com um palquinho na frente. Eram outros tempos e éramos todos muito novos, então a minha memória falha em vários detalhes, mas eu tenho na minha cabeça a imagem daquele homem magro e de cabelos um pouco compridos. Ele veio contar pra gente como era a vida dele sendo HIV positivo.

Contextualizando: dia desses estava escutando um podcast sobre a epidemia de AIDS no fim do século passado e de repente me deu o clique dessa memória, que acho valiosa demais para não incluir aqui nas lembranças. No di a minha curiosidade era grande, mas o receio do desconhecido me causava uma apreensão enorme. Dentre vários pontos tocados por aquele senhor, provavelmente na casa dos 30 anos mas sem nome em minha memória, eu lembro de algumas coisas apenas.

Ele nos contou sobre a doença, como ela afetava seu corpo e nos mostrou os diversos comprimidos que precisava ingerir todos os dias. Naquela época ainda não havia estudos avançados e o estereótipo da doença criava um padrão no qual ele se encaixava. Eu abria meus olhos e apertava minhas mãos, tentando absorver cada detalhe contado sem saber que a memória se perderia com o tempo.

Engraçado que, de toda essa curta experiência, a grande coisa que ficou marcada para mim foi o alívio de sobrepor um preconceito. Eu, criança aprendendo na escola, escutei com muita atenção sobre as formas de contágio daquela doença até então tão obscura e severa, e eu lembro bem de sentir a dor dele falando que as pessoas tinham medo de conviver com ele e "pegar aids" pelo ar e outras situações. Lembro de pensar em como era importante as pessoas saberem que podem (e deveriam) abraçar ele e fazer um carinho na cabeça em momentos de tristeza. Realmente acho que foi a minha primeira quebra de preconceito (que eu nem sabia que tinha) e foi de extrema importância ter acontecido nessa idade e nesse ambiente.

Que privilégio ter tido um colégio que aprontou algo como essa palestra pra nós, crianças do ensino fundamental. Que privilégio ter tido esse clique e poder reviver essa memória sempre, agora escrita aqui, mesmo que mais uma vez ela se afunde no mar de memórias do meu cérebro. Me deu muito orgulho lembrar disso.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

#10 Titico

Se alguém me perguntar eu não vou saber a data ou o dia da semana que era, mas eu vou lembrar que era uma manhã quente do início de 2012 quando eu peguei o carro para levar minha avó até o comércio da praça, que ficava umas três ruas acima da nossa. Ela sempre ia naquela lojinha de aviamentos para comprar linhas, lãs e outros itens para fazer as roupinhas que doava para famílias com crianças pequenas. Normalmente minha mãe ía com a gente, mas nesse dia éramos só nós duas e o andador da vovó.

Ao lado da lojinha tinha uma pet shop e nesse dia em específico tinha um gatinho muito novinho dentro de uma gaiola do lado de fora da loja, para adoção. Enquanto dona avó explorava seu mundo de linhas e agulhas, acompanhada pelas vendedoras que já sabiam até suas marcas e cores preferidas, eu fui olhar de pertinho aquela coisinha espevitada que havia transformado a gaiola em um "globo da morte" e ficava dando piruetas lá dentro.

Papo vai, papo vem com a funcionária da pet shop, ela me disse que o gatinho havia sido adotado e abandonado novamente e que, com a proximidade do carnaval, ele ficaria fechado no subsolo da loja porque ninguém iria lá durante o feriado.

Comecei mostrando para a minha vó como era fofo o gatinho, que tinha me dado total atenção desde que cheguei perto da gaiola, ela se apaixonou. Em seguida uma ligação para a ju: "ei, E SE eu levasse um gato pra lar temporário?" e ela incentivou. Depois disso, uma ligação para o senhor pai: "paiê, posso levar um gatinho pra ficar em casa só durante o carnaval?" e ele topou. A pessoa mais difícil estava esperando em casa, preparando o almoço. 

Cheguei com uma conversa mole sobre o tadinho do gato sozinho durante um feriado inteiro, falei em lar temporário e joguei a cartada final: "ju, vovó e papai já toparam. Só falta você deixar". Nem uma hora depois eu já estava de volta na pet shop, assinando um termo de adoção que poderia ser revogado após o carnaval, só para terem meus dados.

Assim chegou em casa um bichinho minúsculo que estava exausto pela euforia de conhecer 3 cães, uma gata e 5 novos humanos. A noite passou bem e no dia seguinte dona mãe comprou não só ração, mas também brinquedos e uma caixa de areia nova. Depois disso o gato virou Chilli (nome dado justamente pela minha mãe) e o resto virou história.

Titico já faz 10 anos este ano, está saudável e sua pelagem antes rala agora tem lãzinha por baixo. Toda vez que olho para ele eu lembro desse dia de motim dentro da minha própria casa e de tantos momentos de colinho, "beijinho" e preguiça que tivemos juntos.

Esse é o gato que me recebe na porta desde sempre, que me acompanhava no café da manhã enquanto toda a casa dormia, que sempre fez amizade com as visitas, que aprendeu a subir no beliche pra dormir comigo e que gosta mais de cães do que da própria raça. Titico, zuco, neném, Shirley, Chilli, meu pãozinho integral. Espero que ainda venham mais alguns bons anos tendo essa bolinha de pelos roncando pela casa.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

O tempo que passa

Eu tenho muita consciência hoje em dia sobre o tempo. Sobre como ele cura ou deixa pra trás tudo que nos acontece. Sobre como ele é gentil e cruel ao mesmo tempo.

Já estou mais perto dos meus 30 anos do que da época em que comecei a escrever nesse blog, totalmente alheia sobre o efeito e o peso do tempo. Mas como eu saberia, não é mesmo? Eu era só uma pré adolescente passando por coisas pela primeira vez e sentindo todo o desespero de achar que 50 anos é o fim da vida.

Sim, hoje em dia é risível pensar em todas as vezes em que a imaturidade me fez agir da única forma que parecia possível no momento. É engraçado sentir vergonha de momentos que vivi e fui totalmente plena na minha forma de agir. Aquelas Brunas não existem mais, mas fazem de mim tudo o que sou hoje.

Não que seja muita coisa, afinal eu ainda passo por muitas coisas pela primeira vez, mas dessa vez torço todos os dias para que essa sensação continue acontecendo, seja por uma coisa boa ou ruim.

Eu já tenho tempo suficiente na Terra para não me lembrar de tudo o que já passou e às vezes isso me assusta. Acumular lembranças e saber que o tempo não volta é muito louco. Perceber como isso acontece com todo ser humano é ainda mais maluco na minha cabeça. 

É, ver pais e avós hoje em dia e pensar como foi para eles viverem tanto e verem pequenos seres passarem pelas mesmas experiências sem poder fazer muita coisa (afinal, cada um vive uma vida, mesmo que algumas coisas se repitam) é uma coisa que me conforta e dói.

Gostaria de ter tido uma conversa sobre o futuro quando era mais nova, mas não sei se eu teria capacidade de entender a grandiosidade do tempo e do seu passar. Não acho que conseguiria absorver a sensação de quaisquer palavras que tentassem me explicar esse maremoto que é olhar para trás e ver que muito pouco dos meus maiores problemas durariam mais do que uma semana.

Envelhecer é uma dádiva, mas saber que essa vida e essa juventude não duram para sempre é uma porrada que mesmo hoje eu me recuso a levar. Pensar que meu corpo, músculos, voz, cabeça e pensamentos nunca serão iguais ao passado ainda causa uma ansiedade, mas me faz lembrar de como eu sofria com tudo isso quando hoje olho para a Bruna antiga e ela me parece perfeita.

Todos os dias eu me esforço para aproveitar cada segundo e gravar com carinho as boas coisas que me acontecem, mas eu sei que ano que vem já não saberei quase nenhum detalhe de nenhuma cena. Tagarelar sozinha aqui continua sendo uma terapia e isso é bom. Escrever é colocar em frases a sequência de imagens que passa na minha cabeça e eu espero no futuro olhar para todas essas postagens com mais carinho e respeito do que consigo fazer hoje em dia.

Por mais que algumas experiências se repitam, eu sei que nunca mais vou ser exatamente essa Bruna pensando sobre o tempo. Inclusive, espero que não. 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

#9 Aeroporto

 A vida inteira eu fui muito acostumada dentro da família a ninguém precisar depender de transporte particular ao chegar e voltar de uma viagem. Fosse de ônibus ou de avião, a chegada na cidade onde morávamos contava sempre com uma cara familiar no meio da pequena multidão aguardando na saída do desembarque.

Às vezes era minha mãe, muitas vezes era meu pai e já houve casos em que era minha irmã. O momento de voltar pra casa incluía aquele aceno com as mãos dizendo "estou aqui" ou um cartaz bobo com meu nome apenas pela diversão. Eram momentos em que eu sempre me senti amparada, principalmente quando era mais nova e achava qualquer aeroporto grande e confuso demais, mesmo quando estava acompanhada de alguém da família.

Meus privilégios me permitiram viajar de avião várias e várias vezes nesses meus quase 30 anos e diversos desses encontros me marcaram de alguma forma, mas hoje numa conversa eu me lembrei especificamente de uma viagem à trabalho em que eu chegaria sozinha, para uma casa vazia.

Meus pais já não moravam mais na mesma cidade que eu e minha irmã, que dividia a casa comigo, tinha acabado de ir viajar para ficar com eles. Descendo do avião eu lembro de sentir que estava sozinha e no quanto seria estranho ter que descobrir onde pegar um uber ou táxi para ir pra casa. Eu até havia pensado de pedir para alguma outra pessoa me buscar, mas não queria dar trabalho. Passando pelo desembarque vieram as lágrimas, porque eu sou uma manteiga e choro por qualquer coisa, mas segurei com uma fungada e segui meu caminho.

Mesmo andando cabisbaixa, quando a porta se abriu eu vi o Paz e a minha memória não me deixa ter certeza se ele estava segurando uma flor ou não, mas isso não era realmente importante. Nessa hora as lágrimas vieram de surpresa e eu me senti amada como todas as vezes antes que voltei pra casa. Eu senti uma gratidão enorme por um gesto tão simples e pequeno, que só atendia a um capricho.

É uma daquelas lembranças que ficam flutuando ali na memória sem realmente se apresentarem, mas ela vem como um abraço quentinho de um momento difícil. Sou muito feliz por ser capaz de lembrar dessas pequenas coisas do nada e muito grata por ter tido momentos tão bons na minha memória.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Não sei o que é isso.

 Eu não sei muito sobre depressão de fato, mas acho que talvez eu esteja à beira de um surto e ao mesmo tempo que parece ridículo, parece inevitável.

De repente eu me pego quase chorando por ver a chuva caindo lá fora e não sei se meus olhos ardem da claridade ou (sem saber) quero acompanhar o pranto do céu. Poderia passar o dia inteiro comendo ou dormindo, assistindo seriados que não me obrigam a pensar ou jogando jogos de celular super bestas.

Não tenho a menor vontade de levantar pela manhã e conto os segundos para ir embora do trabalho, onde não consigo me concentrar em tarefa nenhuma e não vejo sentido em me esforçar para arranjar novas demandas.

Me causa pânico ver que não estou fazendo tarefas domésticas que sempre fiz, como lavar louça e roupa. De repente quero correr para abraçar os gatos ou pelo menos encostar no namorado e sentir que eu ainda não atravesso corpos físicos. Tem momentos em que parece que eu simplesmente não existo. Tem momentos em que eu realmente gostaria de não existir.

É muito fácil manter a inércia. Não sinto mais o menor ímpeto de fazer um bolo, preparar qualquer receita que seja ou postar coisas que atraiam mais clientes. Eu gostaria de não ter mais nenhuma obrigação. Mas não sei até onde isso seria uma boa situação.

É louco esquecer de me olhar no espelho e quando me vejo em fotos não me reconhecer. Se precisar descrever, eu não sei mais como é meu rosto. Meu corpo é muito maior do que eu sinto e conheço e não sei quando isso aconteceu.

Eu não me sinto mais confortável nas minhas próprias roupas e já não tenho zelo pelo meu cabelo. Eu só quero me sentir confortável e abraçada por tecidos que não me apertem. E mesmo assim falta vontade para comprar qualquer coisa nova porque passar por um provador cada vez tem me dado mais vontade de chorar, mas não posso.

Queria estar sempre cercada de amor mas me sinto mais confortável sozinha. E sozinha vou me fazendo, com saudade de não estar sozinha mas sem forças pra ter companhia. Ansiando por um conforto mas querendo ser deixada em paz.

Alguns dias são mais difíceis que outros, mas todos os dias parece mais próximo o momento em que eu vou precisar parar para não explodir.

domingo, 12 de setembro de 2021

100, um número mágico

Já passa da 1h da madrugada e de repente me deu comichão de saber quando seria meu 100° bolo esse ano, recorde anual absoluto até hoje, em 6 anos de Lunardi Doces. 

Contando um a um no calendário do celular, onde sempre anoto tudo, me dou conta de que ele já foi.
No dia 08 de setembro eu entreguei o 100° bolo encomendado. 100 vezes eu puder participar de comemorações de forma indireta. 100 vezes eu fechei um orçamento, fui paga e dei o meu melhor para entregar um produto com excelência. 

Em 2017 foi um bolo, o da Nate, primeiro de todos. Em 2018 foram 6, até onde eu achei. De 2019 não tenho o registro exato, mas não deve ter passado de 20. 2020 de repente eram 90 bolos. E agora, setembro de 2021, e eu olho pra trás sem acreditar e com lágrimas nos olhos. Que desdobramento! Estou sem fôlego de euforia, apesar do cansaço. Sinto um orgulho inesperado e completo. Um número redondo e marcante como esse é algo mágico no momento. Mesmo com o ritmo cada vez mais apertado eu nunca achei que fosse atingir essa marca tão expressiva.

Meu tempo é curto e minha experiência é pouca, mas eu dei o máximo de mim em cada etapa de crescimento dos últimos anos. Claro que nada disso teria acontecido sem o apoio e ajuda da minha família incrível, mas uma grande parte do mérito é meu e estou abraçando isso com braços e pernas. Num dia em que me senti inútil, sem perspectiva e cansada, essa noção me pegou pela mão e me colocou sentadinha na cadeira do merecimento. Eu queria só abraçar cada pessoa que confiou no meu trabalho e pagou por ele. Não foi favor, não foi na amizade, não foi de qualquer jeito: foi um negócio fechado todas as vezes.

Eu lembro de quase todos os bolos que já fiz, lembro perfeitamente de todas as lágrimas que derramei. Lembro nitidamente dos sorrisos das crianças aniversariantes e tenho noção da quantidade infindável de noites mal dormidas por falta de horas no dia. Nós, como Lunardi Doces, merecemos esse número e eu estou absolutamente orgulhosa.

Na falta de mais palavras, eu só queria dizer: <3.